Figuras de peso do jornalismo brasileiro emprestam seu talento a
personalidades emblemáticas da história do país. O seminário Biografia,
biógrafos e biografados, sob o tema Grandes personagens e suas histórias
incríveis, reuniu, nesta quinta-feira, na I BIENAL DO LIVRO, os
biógrafos Fernando Morais, José Roberto Burnier e Carlos Marcelo, que
contaram sobre como motivações históricas e curiosidades pessoais
resultaram em pesquisas de fôlego e livros de grande apelo popular.
Sob
a mediação de Eliane Cantanhede, colunista da Folha de São Paulo e
também autora de uma biografia sobre o ex-presidente José de Alencar, o
debate foi iniciado com as declarações do paulista de Campinas, José
Roberto Burnier, há quase 30 anos na Globo, de como sua aproximação com o
vice de Luís Inácio Lula da Silva acabou por render o livro Os últimos
passos de um vencedor (2011).
“Nunca tinha escrito um livro, mas
minha convivência de mais de cinco anos com José de Alencar e,
especialmente, uma entrevista exclusiva que tive com ele após a mais
longa de suas 18 cirurgias contra o câncer, na qual falou sobre a morte
com uma sinceridade tocante, me levaram a essa ousadia, pois não tinha o
direito de desperdiçar uma história tão rica como a desse homem”,
declarou. O sinal verde veio apenas três meses depois. “Meu desafio era
ouvi-lo, fazer as gravações, antes que morresse. Muitas das entrevistas
foram dramáticas, em situações inusitadas, em meio a sessões de
quimioterapia ou no próprio quarto de hospital em São Paulo. José de
Alencar, que esteve como interino nada menos que 504 dias, era uma usina
de informações”, disse.
Escritor de renome, Fernando de Morais,
autor de clássicos da biografia, como A Ilha (1976), Olga (1985), Chatô,
Rei do Brasil (1994), Corações Sujos (2000) e O Mago (2008), falou como
o gênero seduz o leitor, afirmando ainda que não há biografia
definitiva, todas são complementares. “O que são os quatro evangelistas
senão os repórteres de uma época, cada um emprestando sua olhar, sua
visão sobre Cristo”, provoca.
Morais contou sobre sua relação
com alguns biografados e a dificuldade de contar a história de
personagens vivos, a exemplo de Paulo Coelho, sua última obra. “O risco
de fazermos uma biografia de um vivo é porque o vivo sempre muda”. A
título de curiosidade, relatou que o autor, após quatro anos de trabalho
e convivência com ele, ficou bravo com o resultado, chegando a expor,
em entrevista, que “tinha medo dele próprio, daquele Paulo Coelho que
tinha sido”. O biógrafo divertiu o público narrando que o escritor se
queixava de ele não ter convicção religiosa alguma, acusando-o de
“comunista que não entende de alma e que, por isso mesmo, não captou os
claros e escuros de sua alma” – o que acabou por resultar em um livro
que não privilegiou seu lado esotérico, transcendente.
O autor
de Olga e Chatô aproveitou para falar do seu plano de lançar uma
biografia de Lula, o qual vem sondando desde 2002 e que finalmente
aceitou, quatro meses depois do diagnóstico do câncer na garganta,
recortando a época de sua luta sindical a partir de sua prisão em 1980.
“havia prometido nunca mais biografar uma pessoa viva, mas a figura do
Lula é irresistível, estou com a parte do filé mignon, justamente uma
parte de sua vida que formou seu caráter político”, declarou. Outro
projeto em curso é a biografia de Antônio Carlos Magalhães, podendo ser
retomado em qualquer instante: “Tenho coisas de ACM que ninguém jamais
terá. Foram quase dez anos colhendo dados, entrevistas, gravações. ACM
fez parte do poder de JK a Lula, com um mínimo intervalo de dois anos de
ostracismo, justamente no governo Itamar”.
Um dos nomes mais
célebres do rock nacional, retrato de uma geração, Renato Russo, mentor
do Legião Urbana, mereceu o olhar e a pesquisa do jornalista paraibano
Carlos Marcelo, com o livro Renato Russo, filho da Revolução (2009),
resultado de nove anos de pesquisa e mais de cem entrevistas.
Carlos
Marcelo conta que esteve no conturbado show da banda em 1988, que
reuniu o maior número de pagantes da história do DF, quase 50 mil
pessoas, e terminou em confusão e pancadaria, restando para a população
de Brasília, berço do cantor, “revolta e animosidade”. Depois desse
episódio, nunca mais Legião Urbana retornou a Brasília. “Desde então
prevaleceu em mim perplexidade. Queria entender o que deu errado com o
show, com Brasília e com o Brasil. De certa maneira, isso também era o
retrato de como Brasília também não tinha chegado ao final, segundo sua
pretensão o projeto originais”.
Segundo sua avaliação, o momento
era de animosidade política, protestos contra o governo Sarney e o seu
livro é “tanto uma tentativa de narrar o retrato de um artista quando
jovem, que cresceu em meio à ditadura,”, como de ilustrar como eram
Brasília e o Brasil no fim dos anos 70 e início dos 80 e toda uma
sistemática de censura velada, “calma tensão”. Para ele, “escrever a
biografia de Renato Russo é também escrever a biografia de cada um de
nós, jovens dessa geração”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário